A frase do título é de Guimarães Rosa, meu autor favorito. Até o momento.
Meu projeto de tese diz respeito ao Movimento Feminista Negro na cidade de Belo Horizonte, mais especificamente nas suas relações com a arte - pensada enquanto braço político do movimento - mas sem perder de vista tudo o mais que ela pode ser e representar naquele contexto. Pretendo conduzir esta pesquisa por meio de uma cartografia, por acreditar que esta é uma maneira boa e adequada de ser e fazer pesquisa no Movimento.
Existem pelo menos dois grupos feministas negros na cidade de Belo Horizonte: o N’Zinga Coletivo de Mulheres Negras e a Articulação de Mulheres Negras de Minas Gerais. Meu orientador sugeriu que eu já começasse a me aproximar de um desses grupos, o que venho fazendo, apesar das dificuldades (está sendo trabalhoso o primeiro contato com elas). Observei que está em curso, por ambos os grupos aqui em Belo Horizonte, a organização para a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras 2025. Dez anos após a primeira, que reuniu cerca de cinquenta mil mulheres em Brasília e foi recebida pela então Presidenta Dilma Rousseff, a marcha está em fase de elaboração de pautas e estratégias.
Tenho clareza, até o momento, que meu trabalho encaixa-se no pós-estruturalismo, por questões que vou deixar para esclarecer na postagem correspondente a este tema. Por ora, vou apenas explicitar um dos motivos, que é a questão da possibilidade que essa abordagem suporta, de pensar nas minorias, como as mulheres negras em toda a sua diversidade.
No entanto, sei que o feminismo possui diversas abordagens e preciso estar preparada para lidar com toda esspluralidade que acredito que possa coexistir no movimento. Um delas que penso ser bastante provável que eu encontre ali são as interrelações entre o feminismo negro e o feminismo marxista - sendo que ambos tem em Angela Davis uma de suas expoentes.
Sendo assim, faz-se necessário compreender as bases do pensamento marxista, dentre elas, o pensamento dialético.
Em Marx fala-se de um desenrolar da consciência através da história, mas o método dialético utilizado por Marx é baseado em Hegel. O autor de O Capital não desenvolveu em suas obras, de forma clara, um texto sobre a dialética. Grande parte do assunto está em Hegel, apesar de que é claro que Marx tenha feito adaptações para seus propósitos.
A dialética tem caráter processual, o que foi muito importante para o pensamento de Marx e Engels. Para Hegel, a dialética se constitui em método de apreensão do real - e esta realidade, para ele, é concreta. No entanto, para Marx, o real está hipotecado ao histórico de uso e apropriação dos meios de produção. Porém, o Idealismo de Hegel e o Materialismo de Marx não são opostos: ambos visam a busca da essência em um objeto.
A dialética não pode ser colocada lado a lado com os demais métodos, como se fosse apenas mais um modo de interpretar a realidade. A dialética é isto também, mas reduzi-la a apenas isto torna-a uma antidialética reificada. Pensar na dialética apenas compo método seria “antidialético”. Ela é método, mas também diz respeito à estrutura das coisas.
Daí vem a minha citação no título da postagem: tudo diz respeito a um vir a ser. Ou, dito pelas palavras de Guimarães Rosa “É e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é.”
Isto porque, para o pensamento dialético, todo objeto é em si mesmo contraditório. A negação do objeto está no próprio objeto e não fora de si. Isto é o que Hegel chama de crítica imanente.
Este pensamento (crítica imanente), apesar de não ser inédito para mim, me alcançou na ultima semana e hoje, em sala de aula, de uma maneira muito contundente. Eu sou uma pessoa que, por modo de ver o mundo, sempre pensei muito nos opostos como mais ligados do que se supõe a uma primeira visão. Muito provavelmente, bastante influenciada pela obra de Guimarães, que já citei e da qual bebo fartamente desde a minha adolescência. Nele, as antíteses estão interligadas de uma maneira muito próxima, de modo que, para que você entenda o que algo é, é preciso ter claro também o que ele não é. (Vide, caro leitor, o belíssimo Grande Sertão: Veredas, obra em que isto fica mais evidente)
Seguindo, temos como segundo ponto da aula de hoje, o estruturalismo. Que eu, talvez por exercício de aprendizagem, bastante manco talvez - sempre entendi em oposição ao pós-estruturalismo. Mas, que hoje penso que talvez tenha entendido mais um pouco em direção à apreensão da sua “personalidade própria”, ao invés de pensar nele sempre na contradição com o seu contemporâneo e oposto.
Fato é que apesar do que o prefixo “pós” em pós-estruturalismo pode nos levar a pensar, são dois movimentos contemporâneos surgidos em resposta à situação européia após a Segunda Guerra Mundial. Momento caótico e de grande comoção, houve a demanda por algo que, em meio àquele contexto de falência, fornecesse categorias universais e respostas a perguntas do tipo “quem somos nós?” .
Assim, com pretensão universalista, surge o movimento estruturalista, que organiza o mundo em categorias. Observe o uso do termo “movimento”: o estruturalismo é muito mais do que um método ou uma episteme.
Apesar do estruturalismo ter espaço para o simbólico, como pode ser observado em Freud e Lacan, cabe observar que é algo que não tem livre expressão: ela só ocorre dentro daquilo que a estrutura já previu. Previsibilidade é uma palavra importante neste contexto, pois a estrutura abarca tudo, até mesmo o que lhe escapa.
Assim, no limite, temos que para haver a primazia da estrutura, há uma falta de protagonismo do sujeito, o que é a grande limitação do estruturalismo.No entanto, esta é uma abordagem ainda bastante utilizada, por exemplo, na Administração Pública, em que temos noções como Estado, burocracia, que de fato tem o potencial de aprisionar os sujeitos e determinar modos muito rígidos de existência e funcionamento. Nesses contextos, não se questiona a estrutura e sim se observa-a em pleno funcionamento .
Outro limite que temos é que a estrutura não permite afetos. É um pouco neste sentido que percebo que minha pesquisa não poderia ser estruturalista, pois a cartografia é um modo de pesquisar que pressupõe troca de afetos. Se não há afeto na estrutura, não há o que o cartógrafo fazer ali, de acordo com essa abordagem.
Ao mesmo tempo, essa assepsia de sentimentos me remete a uma ideia de uma resistência aprisionada - no sentido de que a própria estrutura prevê a sua própria contestação, e ela, longe de subvertê-la, a fortalece, tal quando o padre, ao expiar os pecados em cerimônia religiosa reafirma a norma (e não o suposto erro).
E não posso pensar em resistência sem pensar em minorias - sendo eu mulher negra, periférica e mãe solo. Mulheres como eu não temos lugar no estruturalismo, pois ele pensa em termos de categorias universais, onde eu e minhas irmãs. filhas e mães estamos longe de caber.
E, neste ponto, fica a questão epistemológica óbvia: minha pesquisa não cabe aqui. Mas, mais do que isto, fica o meu desabafo enquanto pessoa, não universal, não generalizável: humana, com todas as minhas particularidades. Esse meu desabafo se desdobra em dois pontos.
O primeiro: como é bom saber que há espaço para o diverso, para ser eu mesma, preta, doida, mãe da minha filha, filha da minha mãe, tanto em modos de pesquisar quanto de existir. (Obviamente sem o romantismo de achar que isto ocorra de forma fácil ou sem luta)
O segundo: como é difícil ser eu mesma, preta, doida, mãe da minha filha, filha da minha mãe, em uma estrutura que tenta, a todo custo, me enfiar numa caixinha com o rótulo: “você é assim”. Falo aqui agora não do meu fazer enquanto pesquisadora, mas de outras esferas do meu fazer profissional .Meteram na cabeça que o administrador é assim, assim, se veste de tal e tal modo (pras mulheres isso ainda envolve sapato apertado) e ai de quem, na fornada, sai diferente...Mas, esta história, em específico, fica pra outro dia. Algumas coisas ficam melhores quando contadas com tequila, sal e limão. Essa é uma delas. Arriba!
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