Mais um vez, sinto como se fazer pesquisa qualitativa fosse um eterno “pedir desculpas” em meio a um mar de uma ciência dominada pelo positivismo.
Mais uma vez, também, sai do debate extremamente preocupada acerca de questões de ordem ética relativas à condução da minha pesquisa e, sobre estes dois topicos, me debruçarei nesta postagem.
Felizmente, já há muito não me deparo com a situação de ter que fazer defesas às minhas agendas de pesquisa. Tenho conduzido meus trabalhos e a minha formação de maneira muito tranquila no sentido de não precisar ficar o tempo todo justificando que as minhas pesquisas são válidas e pertinentes, tanto do ponto de vista metodológico quanto de uma suposta “utilidade” que alguns ficam questionando que o trabalho acadêmico deva ter - sem se perguntar, em primeiro lugar a quem ou a o que esse suposto “senso de utilidade” serve.
Mas, já passei por diversas situações que isto ocorreu e, agora, no doutorado em que a turma abrange alunos adeptos de outros posicionamentos onto e epistemológicos, os discursos a esse respeito tendem a surgir. Sempree incomodou muito o positivismo, como ja tive a oportunidade de comentar aqui mesmo neste blog e sua suposta posição de ciência “correta”, sendo as demais formas de se fazer e pensar ciência como dissidentes em relação a uma corrente que se supõe universal.
Isso me incomoda muito. Não quero também sugerir que o positivismo deva ser abandonado, creio que ele tenha suas aplicações e ambientes. Contudo, me impressiona que tenhamos avançado tão pouco convencer os demais, sejam eles os nossos pares ou mesmo a sociedade de forma geral, de que a ciência é mais do que isso.
Lembro-me de uma professora do ensino médio, que lecionava Química que, ao fim de uma longuíssima explicação que levou vários encontros sobre a evolução da teoria atômica, muito bem observou que em nenhum momento aquele percurso tinha seguido o suposto “método científico” vendido sobretudo nas ciências naturais como o jeito “certo” de se fazer ciência. Ou seja, se nem lá isto é algo que se deva tomar como efetivo e absoluto, por que ficar com essa neura nas ciências sociais?
Essa situação me incomoda bastante e, mais uma vez, só me leva a pensar no papel da docência na transformação da sociedade, embora eu não tenha a inocência de não entender que este é um trabalho de formiguinha.
Penso que, aos poucos, seja no círculo reduzido dos nossos alunos que conseguirmos alcançar, podemos engendrar uma pequena revolução.
Utopia? Pode ser, mas tem sido isso que às vezes me motiva a perseguir este sonho do doutorado.
E, falando em doutorado, chegamos na questão da condução da pesquisa. Ao refletirmos sobre as narrativas, mais especificamente sobre as questões metodológicas envolvidas, fiquei pensando sobre a minha pesquisa, tanto as futuras quanto as pregressas.
Pensando no que fiz no mestrado, por exemplo, tenho a minha consciência tranquila enquanto pesquisadora de que conduzi meu trabalho de maneira ética e respeitosa com as sujeitas de pesquisa que participaram do meu percurso. Contudo, penso muito em coisas que poderia ter feito diferente e, dentre elas, estão questões como o que a sociedade espera do pesquisador que a procura para seus estudos.
Em dado momento, ao descrever para mim suas atividades profissionais enquanto artista, uma das minhas entrevistadas, ao saber da minha formação profissional, me pediu que fizesse para ela um plano de negócios. Naquela ocasião eu me esquivei de seu pedido por acreditar que fugiria ao limites éticos do meu papel enquanto pesquisadora me envolver com o trabalho dela desta maneira. Em outra ocasião, outra artista me pediu que trabalhasse com ela como produtora cultural e eu, da mesma maneira, saí à francesa.
Fiz o que fiz e, como mencionei, tenho minha consciência tranquila por ter feito o que julgava melhor a partir do conhecimento e visão de mundo que eu tinha à época. Hoje, no entanto, faria diferente. Eu teria me doado, oferecido o meu trabalho técnico, conforme demandado por elas da mesma maneira em que elas, tão de bom grado, me ofereceram seu tempo e narrativas.
São coisas que aprendemos a partir das experiência enquanto pesquisador e nisso fico pensando a respeito da tese, que é tranquilo mais robusto e de maior fôlego do que foi o mestrado. Essa noção de que vamos a campo de mãos vazias, para receber é algo que não carrego mais, bem como a noção de que as participantes de pesquisa são produtoras de conhecimento junto comigo. Isto, em detrimento ao uso do termo “sujeito de pesquisa”, não é mera questão lexical e trata-se de mudança substantiva de postura do pesquisador em relação ao mundo em que sua pesquisa se insere.
Da mesma forma de que é importante assumir na pesquisa e também em seus produtos (tese e artigos) quem é o pesquisador, de onde ele vem e o que ele representa.
Essas são diretrizes muito bonitas, mas assumo que, devido à própria forma em que fomos educados, muitas vezes torna-se algo que se perde em suas próprias intenções.
Por isso acho muito importantes ter o espaço de debate na formação dos novos doutores, como ocorre nesta disciplina, mesmo para os pesquisadores que abracaram e que não vão largar o positivismo, uma vez que esta pode representar uma das únicas possibilidades de mostrar que é possível pensar diferente.
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