13 - Vejam que linda é a minha filha, a tese

Hoje vamos ouvindo Malandragem 

Já venho falando aqui de meu projeto de tese desde a primeira postagem, mas hoje foi o dia em que a assumi perante a turma.

Este momento chegou hoje pois tratamos sobre os dados visuais. Eu tenho muito carinho pelo uso de imagens em meus trabalhos acadêmicos, e não por acaso o meu primeiro artigo se valeu deste tipo de material.

Trabalho que hoje, para minha surpresa, foi evocado em sala de aula e eu tive a oportunidade de falar brevemente sobre ele. Foi bom relembrar o passado.

Foi daquele lugar que eu vim e ali estão também as minhas bases. Eu sempre me senti mais confortável em lidar com dados visuais, apesar de ter experimentado também outros caminhos na pesquisa. 

Eu acredito que os dados visuais são riquíssimos e, por mais que a gente seja bombardeado o tempo todo por imagens, nem sempre a gente se dá ao mesmo trabalho de apreender as informações visuais da mesma maneira que outras que nos chegam por outros caminhos.

Somos treinados para priorizar a linguagem verbal, mas o não-verbal também é muito poderoso. No estudo em tela, mencionado pelos colegas em sala,  a questão era analisar os escritos de porta de banheiro de uma universidade e, a partir deste conteúdo fazer inferências sobre o que aquilo significava para a organização em que as mensagens haviam sido expressas. 

Esse foi o meu ponto de partida nos dados verbais. Na sequência, no meu TCC, trabalhei novamente com a imagem, mas desta vez não eram exatamente dados verbais que compunham o corpus de pesquisa, mas a questão artística emergia como elemento importante da minha investigação, o que permanece invariável até hoje.

Na ocasião, eu trabalhei com estratégias em estudos de tatuagens. As tatuagens são desenhos feitos na pele e, como tal, devem ser entendidas também em toda complexidade que se constitui uma imagem nessas condições, ou seja, estão envolvidos aí, além dos eventos da própria imagem e do seu contexto de produção, também tudo aquilo que diz respeito a suas condições de comercializacao como um produto.

Cabe observar então que, neste trabalho, apesar de não ter sido uma pesquisa realizada com dados verbais, houve ali um trabalho com a imagem, que me foi útil para amadurecer questões relativas a como compreender esses dados, como veremos adiante.

Na sequência, produzi dois trabalhos que se categorizam como registros fotográficos, que é um modo muito interessante de utilizar os dados visuais em toda a sua potência para contar uma história.  Em um deles, Fabiana e eu contamos sobre uma greve geral que fez parar a cidade de Belo Horizonte e que, poeticamente, ocorreu em um dia chuvoso. No outro, Samanta, eu e outro colaborador, subimos a rua da Bahia, emblemática rua da cidade de Belo Horizonte e mostramos como a "vocação" da rua vai se alterando a cada ponto da via, especialmente quando ela se afasta da Praça da Estação, onde começa e se aproxima da Praça da Liberdade, próximo do seu final. 

Ainda pouco antes disto, num breve hiato de minha carreira acadêmica, escrevi com Henrique, Paula e você, querido, como certamente se recorda, um trabalho publicado na revista Bagoas, onde analisamos os desenhos produzidos por pessoas LGTB, onde os convidamos a desenhar as suas vivências.

Na sequência, já como dissertação, trabalhei com grafites. Aqui acredito que havia muito a ser explorado em termos de dados visuais e que, por uma série de questões, nao o foram. Hoje vejo que a pesquisa produziu também riquíssimo material visual, além do óbvio apelo que o objeto tinha para a obtenção desses dados que, contudo não foram explorados. Lamento muito por isto.

No entanto, passado e passado e agora, falemos te tese 

Em termos gerais, pretendo trabalhar com o movimento feminista negro, que atua em diversas frentes em sua militância. Uma dessas frentes é a arte e é aqui que a minha pesquisa se situa. 

Evoquei aqui todo um currículo, do qual muito me orgulho, evidentemente, mas não com o mero objetivo de promover meu ego mas, sobretudo, de delinear aqui um caminho não só teórico, mas também de meu amadurecimento enquanto pesquisadora no que diz respeito a habilidades analíticas que creio terem me preparado para estar onde estou.

Obviamente, de forma alguma pretendo assumir tal percurso como perfeito e acabado: pelo contrário. Acho que ele é ponto de partida para esforços intelectuais e metodológicos ainda maiores. 

Nesse sentido, quero ressaltar que já tenho bagagem não só com a analítica dos dados visuais como também já certa reflexão acerca do trabalho artístico. É aqui que estou hoje.

O trabalho da tese, conforme já mencionado aqui neste blog em outras postagens, pretendo conduzir por meio de uma cartografia, que é uma analítica que pressupõe que as estratégias de produção de dados virão da própria experiência do campo.

Então, aqui, não a título de planejamento e sim adotando uma postura um pouco pragmática, acredito que seria bem óbvio da minha parte imaginar que, numa pesquisa que lidará com a arte, especialmente as visuais, que os dados visuais poderão emergir de alguma forma.

E assim, teço aqui algumas reflexões que tem me vindo através da leitura e reflexão sobre o tema. 

A imagem ela tem o poder, por si, de dizer muita coisa, há até o famoso dito popular "uma imagem vale mais do que mil palavras". Mas, a isto eu acrescento que essa imagem diz o que diz para o receptor que pode compreende-la, talvez da mesma forma que uma língua só é inteligível para aqueles que aprenderam suas regras.

Com isso, quero salientar que a imagem por si só talvez não tenha o mesmo potencial para todos os seus observadores. E digo isto porque, para o pesquisador, o trabalho de análise de uma imagem vai muito além de apenas ver.

É de suma importância a consideração do contexto de produção daquela imagem, uma vez que a imagem nao está desgarrada de condições que levaram a sua produção - sejam elas aquelas intencionais, sejam aquelas que se referem a cultura em que os envolvidos se inserem e que estão ali na imagem, como pano de fundo invisível qie compoe aquele enredo.

Só assim é possível entender elementos de uma imagem que remetem inclusive, a coisas que não estão presentes nela, mas que talvez deveriam estar. Caso é, por exemplo, do que tenho levantado a respeito da história da arte negra no Brasil, em que a produção de arte formal não possui em seu panteão artistas negros, nem  na época colonial e nem no primeiro reinado, exceto por pontuais exceções. 

Isso se explica pelo fato de que o negro era povo escravizando no Brasil àquela época e que não possuia acesso as escolas de belas artes da época e por isso não produzia aquele tipo de arte.

Ou seja, temos aí exemplo de uma ausência que diz muito sobre o contexto de produção imagética de uma época. Mas, para saber disto é necessário conhecer o momento histórico que suporta este fato. 

E é aí que eu sinto que está meu atual desafio. Apesar de ser mulher negra, com letramento racial, eu as vezes me angustia na quantidade de coisas que eu ainda não sei sobre o assunto e que sinto que deveria saber para conduzir uma tese desse porte.

Mas, ao mesmo tempo, tento me segurar nas minhas certeza para não me perder  neste sentimento, que é bem ardiloso e sempre me lembrar de onde vim, por isso foi importante fazer aqui essa espécie de memorial. 

Doutorado é processo, e por isso a tese vem lá no final, indicando que é fruto de um percurso intelectual. E esse caminho, acho que ele é diferente de alguns outros porque é necessário construir a própria estrada por onde se anda e não há receita para isto.

Assim, vou no meu jeitinho, na malandragem evocada por Cassia Eller, mas também com muita responsabilidade e uma dose de clareza do que deve ser feito.

E vamo que vamo.

Comentários